No recôncavo gélido à extremidade noroeste do poderoso Fiorde, estava Gonnifer o líder do grande clã. Ele observava solitário, precipitando o que estava por vir, como um falcão visualizando a estepe antes de seu desfecho vitorioso, porém não menos sangrento.
O sereno orvalhado brindava mais uma madrugada, açoitando suas costas desprotegidas; as vértebras latejavam, dores terríveis penetravam sua medula. A transposição empreitada pela horda, por entre as colinas, sugara seus últimos esforços; separando sua pele da friagem apenas uma fina camada de lã.
Mas nenhuma adversidade imaginável, seria capaz de tomar-lhe a atenção e o furor, nem mesmo a geada castigante que se precipitava a leste, à qual já se podia sentir num leve sopro cortante colidindo-se contra a face.
Ele estava embebido pela cólera, que lhe tomava os vagos e súbitos pensamentos, transformando-se a cada passo... Seus liderados apostos numa formação impecável, espalhavam-se através da estepe. Estava a instantes do entardecer mais truculento de sua existência.
Como fora ensinado por seus antepassados no longínquo Reino de Túrrilas de Árbara, era preciso resistir. O veneno da lança atravessada em seu tórax descendia de uma planta maligna de tempos antigos, seria incurável em qualquer outra região do mundo conhecido, mas naquele local sagrado, existia uma única planta capaz de salvá-lo.
Esperançoso, Gonnifer arrancava com os punhos, as quiçacias enterradas a meio metro de profundidade no solo íngreme do penhasco, na intenção de que uma daquelas ervas fosse a profetizada Raiz Vermelha.
Seus últimos pensamentos eram alimentados com esforço sobre-humano, sendo voltados à sua amada Lorelayne Grantelás. Fez o impossível para visualizá-la em sua forma mais doce e conseguiu. Ela cantarolava em médio tom à capela, enquanto separava os melhores grãos da cevada em uma vasilha argilosa e os demais descartava numa tapeçaria tecida em junco; junto dela sua pequenina filha e herdeira Chrysanthemun.
Recobrou a consciência, restava a Gonnifer alguns minutos de vida, o envenenamento tomava-o por completo, instantaneamente um raio de luz transpôs a montanha velada, por entre a cerração; avistou seus antepassados.
Não mais sentiu seus membros, a dor pela primeira vez em sua existência havia abandonado seu corpo. Gonnifer sorriu, estava feliz após muito tempo de obscuridade e tenebrismo; feliz, por ter encontrado o que desejava, pois não precisaria mais de antídoto.