Parte 01:
Enquanto na Usp formulam-se teses de que se o nordeste fosse
Na sua imaginação rabisca no ar a chuva que o céu não trouxe
Da onde ele vem, o sol e a seca são inimigos cordiais
Que fazem o povo aquietar os sonhos em pequenos mananciais
Mas ele é flor de juazeiro, vive anos sem regar
Por que ali, o único lugar onde brota água é o olhar
Teve o apreço dos céus em rezas de benzedeira
Pro berço dos poetas, o sertão se fez parteira
A mãe? Referencia de cozinheira e corona de romaria
O pai? Sanfoneiro devoto de padre Cícero e namorador de poesia
Viu do mundo a covardia, mas não se deixou abalar
Quando desejos viram desertos, a esperança se faz Yemanjá
Carrega um universo na imensidão do seu peito
Chamou a vida prum arrasta pé e agarrou a de jeito
Mas quando a vida vira escola, o aprendizado se torna rude
Faz das marcas do seu rosto profundas sangrias de açude
Viu um tempo de estiagem quando Sivuca se calou
E anjos disseram que seu pai não viveria pra ser avô
Pra sua mãe então perguntou, São Paulo é santo, faz milagre, mas transforma suor em prata?
E ela respondeu, como dizer que São Paulo é santo se São Paulo mata?
Parte 02:
Naquele ônibus nosso herói vira cordel sem aviso
Nem desconfiava que até na cidade a consolação ficava distante do paraíso
Aos poucos o dia nasce, numa preguiçosa sabatina
E ele que já foi rebeldia Lampião, hoje não é nem birra lamparina
O ônibus forrozeia pela estrada e o céu cinza faz da crença jus
Que cada nordestino é Cristo, porque São Paulo sempre é cruz
Mas ele vem sem medo e sem chance, 10 anos atrasado
Se um dia foi figura de cortejo, hoje magro igual o gado
Seco como carne de sol, vida simples sem esmero
Vitima de um governo que acha que salva o mundo com o programa fome zero
Soweto e Haiti não estão a milhares de léguas
Estão presentes em cada metro quadrado de uma seca sem trégua
Traz bandeirolas de preces, trincheiras de stress
E faz do cordel um Projac, onde a vida é fantasia que acontece
Bom samaritano tem o suor como honra ao mérito
Lamentos sertanejos nascem cada vez que a seca abre um inquérito
Ele já foi feira de mangaio, carambolas em tom pastel
Bolo de rolo, baião de dois, felicidade a granel
Já foi manhã céu seda azul, em cenários de cinema
Onde migalhas da vaidade enfeitavam um sertão poema.
Parte 03:
Na rodoviária angustia e sereno marfim
Lavam teu coração como as escadas do nosso Senhor do Bonfim
O que um dia foi folia e sorriso sabor cuxá
Hoje é uma suplica cearense, feita de vontades de voltar
Ele mal sabe orar, mas mantem a fé sempre por perto
Traz rugas de gente sofrida, bolsos vazios e braços abertos
Na cidade dos espertos onde o amor pode camuflar aversão
Sua moqueca de sururu virou as sobras do mercadão
Comentários de chacais são drinks de deboche e mágoa
Pois seus corações de cactos não veem valor em pingos d’água
O futuro tão promissor virou o cavalo piancó
Que em cada trote manco reduzia seus almejos a pó
O toque do seu despertador traz a tona o que cada manhã promete
Mas, celebrar a vida na caatinga ensina a fazer da poeira confete
Aprendeu a ler com propagandas e vitrines
Sonhava em com as modelos dos anúncios de biquíni
Queria ter conhecido um tal de, Santos Dummond
Quando no aeroporto de Congonhas foi contratado como garçom
Montou a vida a prestação e vivia sorrindo
Por que cada manhã é um nascimento, e da vida nascer é o momento mais lindo
Foi trabalhador, pai de família, do fel fez creme
Viu homens invisíveis como ele encherem trens da CPTM