A dor é o domínio, o código, o medo
A dor, em degredo, aguarda no cofre
Que, só, denomino ao duro segredo
O que determina o indivíduo que sofre
A dor roda a dor roda a dor que roda
A corda do cardo o roedor corrói
A dor, ela acorda, no que incomoda
É foda essa dor! Que derruba o herói
A dor é desculpa, desfalque, perda
A dor é uma dívida e desarvora
A dor – não há dúvida – ela é de esquerda!
A dor que dedura, perdura afora
A dor vem de dentro, vem do epicentro
A dor é uma nódoa, um nódulo, um nó
Que deu de doer, doer no que adentro
Doído de doido, e dói em derredor
A dor me adormece a razão de ser
A dor, ela aperta de estrangular
A dor me abre os olhos de anoitecer
Que a dor é a abertura de um outro lugar
A dor abandona o meu cão sem dono
A dor me conduz ao meu mundo cão
A dor me desperta e dispersa o sono
Que adora empurrar-me pra solidão
A dor pinta e borda no bar dos bardos
Um dito me diz: Quem furtou não herda
À noite são todos os gatos, pardos
A dor que amordaça me põe na merda
Tem dor nas cadeiras, tem dor de cabeça
Tem dor de coluna, tem dor-de-facão
Tem dor pra vender a quem interessa
Na dor que não cessa em meu coração
Doa a quem doer, a dor atordoa
E se ela reboa a dor é tambor
No corpo e na alma, em toda pessoa
Ao se desdobrar, a dor é pendor
A dor na cama do quarto é prazer
A dor na chama do amor é paixão
Se dói o amor já não dá pra esconder
Daí é saudade, não tem jeito, não
Devagar com o andor que o santo é de carne!
A dor faz alarde, a dor que me dá
Embora me adorne a dor que me arde
Sem dó nem piedade a dor vai pulsar
O dardo da dor acerta no alvo
Lateja no nervo, inflama o tendão
A dor dilacera, e agora ressalvo
Que a dor pode ser a depuração
A dor roda a dor roda a dor roda a dor
Roda a dor roda a dor roda a dor
Que roda
A dor roda a dor roda a dor roda a dor
Roda a dor roda a dor
Que roda
Eu quero morfina, eu quero sim
Injeta o Morfeu dentro de mim
Eu quero morfina, eu quero sim
Injeta o Morfeu dentro de mim