"Tenho vãs lembranças no meu triste fim
Zombam desse resto de vida em mim
São alguns detalhes retalhos de ser
Logo não serei mais não sei esquecer
No fim de uma rua tinha um casarão
Pra que tanta reza antes da refeição
Tanta molecagem era eu e mais dois
Eram tantas surras que vinham depois
Missa aos domingos mas ao anoitecer
Todas as janelas estavam a mercê
Olhos curiosos de quem descobriu
Que o mundo inteiro se cala no cio
Só não há beleza que possa a tristeza esconder
E não há tristeza que possa a beleza apagar
Só se explica a vida quando a morte se faz entender
Mas a vida finda sem a morte poder explicar
Lembro de uma festa, um olhar que me detém
Um sorriso inquieto me inquieta também
Pelo dom do acaso meu mundo mudou
Nessa noite então descobri o amor
Bichos de pelúcia, cantigas de ninar
Um balanço aflito no meu embalar
Fraldas e chocalhos levanta e cai
Entre tanto choro, eu me descobri pai
Só não há beleza que possa a tristeza esconder
E não há tristeza que possa a beleza apagar
Só se explica a vida quando a morte se faz entender
Mas a vida finda sem a morte poder explicar
Lembro de um branco e de pouca paz
Traço maternal que o tempo desfaz
Certo do final que a vida conduz
Logo se apagou quem me deu tanta luz
Mas saibam que a despedida
Traz saudade, deixa amor
Pra todos que eu deixo em vida
Pros que a morte já levou
Estando ao meio do caminho
Sigo só sem distração
Me abrigo nessas vãs lembranças
pra não morrer de solidão
Por isso toda a minha vida eu teimo em recordar
Já não resta muito antes de me ausentar
Mas com muito brilho eu me calo ao dizer
Triste é quem não vive a vida pra ver"