Calo e não falo de medo
Calos na ponta dos dedos
Arranco a pele no dente
Não aponto mais estrelas
Não fecho nem bato gavetas
Lavo mágoas
Traço metas semestrais
Finjo, não guardo segredos
Nego, não meço conselhos
Rasgo a carne no dente
Carrego um cravo no bolso
Esqueço as portas abertas
Deixo pegadas
Não acho nada demais em vagões
Trago, não mando recados
Fumo o cigarro dos outros
Olho por cima das lentes
Faço e desfaço no ato
Desato o nó dos meus dedos
Um passo em falso
E caio fora do laço
Ando caminhos inteiros
Escolho as ruas erradas
Corto os lábios no dente
Desenho palavras no rosto
Aqueço os pés na coberta
Digo nada
Nem vejo nada demais em vagões
Durmo e acordo mais magro
Cavo um buraco, me enterro
Arrasto grossas correntes
Desperto sempre cansado
E torço grades de ferro
Guardo migalhas
Vivo pequenos desertos
Levanto e sento ligeiro
Sento e levanto de novo
Escrevo cartas urgentes
Nasci com os olhos fechados
Só durmo de luz acesa
De madrugada
Carrego o corpo e a saudade em vagões
Esquento os ossos no fogo
Almoço livros e discos
Uso camisas e pentes
Cuspo sementes e salmos
Atravessando os ouvidos
Rotas e mares
Compro velas e cristais
Tropeço nos móveis da sala
Prefiro insetos pequenos
Procuro um verso decente
Corro e não fico parado
Calado, falo sozinho
Penso mais alto:
Não acho nada demais em vagões