Fome tem cara de herege
Já dizia minha vó
Ela em nossa barriga
Faz as tripas darem nó
Uma pessoa com fome
Qualquer coisa ela come
Sem olhar o que a mão pega
Seja de noite ou de dia
E pelo que vovó dizia
Parece que a fome cega
Dois caçadores um dia
Foram caçar numa serra
Que ficava um pouco longe
Da sua querida terra
Quando na serra chegaram
Dentro da mata entraram
Com as armas e a coragem
E enquanto eles caçavam
Com os olhos contemplavam
A beleza da paisagem
Pensando que vinham logo
Da serra desconhecida
Eles foram caçar nela
E não levaram nem comida
Começaram a caçar
Caminhando sem parar
Mas caça nenhuma achava
Deixando os dois intranquilos
E fora cantiga de grilos
Nem um sibito piava.
Caçaram a noite inteira
Porém não mataram nada
Daí amanheceu o dia
Findou-se a noite gelada
Aí eles sem demora
Disseram: "vamos embora
Para o nosso ranchinho"
Deixaram a serra pra trás
Só que não acharam mais
Da sua casa o caminho.
Deu quatro horas da tarde
E os dois na mata perdidos
De encontrarem a casa
Já estavam desiludidos
Sentindo muita fadiga
Com a fome na barriga
Castigando eles sem dó
Estavam fracos não nego
Só não sei se estavam cego
Como dizia vovó.
Enquanto eles caminhavam
Mortos de fome e cansado
Viram um pé de juá
Que estava bem carregado
Debaixo dele sentaram
E a comer juá pegaram
Para a fome matar
E comeram juá tanto
Que pra saírem do canto
Tiveram que se esforçar
Um olhou pra o outro e disse:
"Ah, a minha fome eu matei
Eu comi juá demais
E só um caroço deixei
Quando ele isso falou
Seu colega perguntou
Sem ter nenhum alvoroço:
"Oxente, amigo meu
E o juá que nós comeu
Tinha algum com caroço?"