Era uma tardezinha de primavera. A menina sorridente não sorria mesmo, de
forma alguma. Quais seriam os motivos que transformaram seus problemas
minúsculos, comparados ao universo em lágrimas tão gigantes assim? Mesmo
tristonha ela parecia feliz. Ela era muito feliz mesmo. Se não era, parecia.
Então, antes de dormir (com os olhinhos inchados, coitada!) ela desejou
muito que não houvesse dia seguinte. Mas desejou e desejou. E então desejou
de novo. E quem pode dizer se um pouco antes de pegar no sono não desejou
mais uma vez? Pode ser que tenha até sonhado com isso e falado... Mas se
alguma menina sozinha fala dormindo num quarto no meio da noite, será que
alguém ouve? O fato é que no outro dia ela acordou, se vestiu, comeu um bolo
e, ainda mais uma vez antes de ir para escola, coçou a idéia na cabeça:
queria que hoje não existisse... O tempo passou. Ela cresceu. Se ela se
casou e teve filhos ninguém sabe. Se foi feliz a maior parte do tempo também
ninguém sabe, mas ninguém poderia ser infeliz tendo sido tão alegre um dia.
Mas o tempo passa para todos e certamente antes de morrer ela se esqueceu do
que um dia desejara tanto. Morreu, e todos da sua época também. E das épocas
futuras também, e assim por diante. Até que tudo morreu (ou se transformou,
como dizia Lavoisier). E no dia do juízo final Deus notou que faltava um dia.