Filmar o amor em fuga
- enquanto assim se apresenta -
É algo raro, difícil:
Só mesmo em câmera lenta.
Não da máquina, mas dele
No breve instante em que some
Contra algum muro de nuvens
E perde o rosto e o nome.
Lentificá-lo em palavras
Seria, talvez, um jeito
De tomar-lhe bem o pulso
Ou mesmo sondar-lhe o peito?
As razões de cada escape
Às vezes correm às vistas
Mais escoladas na história
De ler motivos, em lista.
Quando há medo, mesmo ao pássaro
É falso o vôo liberto.
(é fuga em busca de água
Rumo à boca do deserto).
O pensá-lo mais concreto
Esgota a água e a sede.
(é a colher gasta em silêncio
No arranhar da parede).
Esse amor, alma de elástico,
Atravessa o vão do muro
E enquanto foge de si,
Engole o próprio futuro.
Por isso, leva-se aos ombros
Em sina longa e estranha:
É sombra pulsando aos passos
Que ao corpo sempre acompanha.
E assim - por onde adormeça -
Carrega nele o dilema
De, mesmo ao dizer-se livre,
Expor as suas algemas.
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