Olhou para si mesmo como se fosse o tal
Refez seu cronograma e anotou num papel
Desceu pra portaria e pediu um jornal
Lembrou que o seu inferno era seu próprio céu.
Pegou um coletivo e sentiu anormal
"Será que era assim que se sentia o Brasil?"
Lembrou que o seu carro era um belo Jaguar
E sorriu por ter lembrado de jogá-lo no rio
Chegou tarde no emprego e conversou com o bedel
Flertou com a gostosona do DRH
Gritou com o próprio chefe como se fosse Deus
Estava bem disposto e não quis trabalhar
Saiu pra ver o sol que o meio-dia lhe deu
Brincou na praça como uma criança qualquer
Comeu num restaurante caro como plebeu:
Brindou com o garçom e pôs na mesa o pé
E não quis nem mais um dia na sua vida, não!
Nem mais um dia - é dia de celebrar
Esperar o fim da vida
Nem mais um dia. Se o amanhã não chegar
Lhe dê o que ele quer: é só um dia
Andou pela cidade como se fosse um rei
Parou pra ver as ondas que adornavam o mar
Gastou milhões no shopping como um velho barão
Comprou um bombom de menta e não quis pagar
Tentou falar de paz para alguns policiais
Falou de guerra para uma freira gentil
Ouviu ensinamentos de um velho senil
Queimou a foto rara de seus ancestrais
Ligou para seus pais e declarou seu amor
Mandou os inimigos para "aquele lugar"
Passou um trote para a Igreja Universal:
Disse que era o demônio e que estava mal
Jantou com a faxineira do seu apart-hotel
Doou seus bens pra um ONG internacional
Encheu a cara numa baiuquinha vulgar
Até seu coração parar de funcionar