Minha feia, és linda como a margarida
Que não brotou e não existiu.
Linda como a beira do rio
Que não deságua em lugar algum.
Como o querer ser, que, mesmo querendo,
Ainda não é
E linda como ti, minha querida,
Não há outra sequer;
Nenhuma meia tudo, meia metade
O quarto escuro, ebriedade
Feia, ninguém te beija
Com bondade
E em todas as praças, todos os antros
Feia
Entre os beijos, sob os lençóis
Feia.
Depois da noite, a melancolia insone
Feia.
E, ironicamente,
Em tua abismal insignificância encontrei
- Quem diria? -
A mais pura felicidade.
Foi em teus braços que me deleitei em campos de rosas tortas.
Você são montanhas disformes, você toma tempo para explorar.
E se perguntas do que gosto em ti,
É fácil; essa feiúra ao contrário é
O semi-desencanto que me inspira:
O não-ser tem sua própria poesia.
Por que achas que não fazem livros
Sobre os feios? E não escrevem
Poesia? E não entoam melodia?
Por que não?
Se um escritor náufrago do século xviii
Dedicasse sua vida à escrita de um
Poema a ti, 'cê acha que os versos
Rimariam?
Aliás, feia, quantos poetas do século xviii
Morreriam
Por você?
Mas, querida, não se importe com essas questões bobas --
De alguma forma transcendes
O imperativo dos sentidos;
Tu és as folhagens sobre as quais me
Deito e dispo e durmo,
Folha de palmeira
Na estrada da vida.
Feia, tu és aquele tal luar através dos altos ramos
Escondido, quimérico,
Maravílico
Apenas para quem não tem o olhar cansado.
Feia, em teu silêncio me calo
E em ti me separo
Pra ficar (melhor) sozinho,
Desacompanhado com você.
Feia, não adianta se olhar no espelho.
O que vejo não é o que vês e se é metade
Do que vejo
Ainda é muito pouco
Mesmo sendo muito.
Feia, largue a maquiagem
Deixe de bobagem
Ninguém vai te ver;
Olhos foram feitos para precisar
E quem além de mim
Precisa de você?
Feia, e chegar-se-á o dia em que belo e feio
Serão o mesmo?
Ou serão nada?
Amar-se-á com receio? Preconceito?
E poder-se-á dizer, num futuro
Que fui feito para você,
E vice-versa?
Ainda falta muito (?)