Mal clareia o Sol a serra
Toca a vida a despertar
O pobre se pôs há muito
Sem descanso, a labutar
Ao levantar-se da cama
Inda é espessa a escuridão
A fome lhe bate à porta
Persegue-lhe a precisão
Ao acordar, ele escuta
O coração a gritar
Quem não trabuca não come
Já chega de repousar!
Busca, então, o seu trabalho
Tudo ajeita, tudo faz
Rasga a terra, corta os matos
Luta e sua, não tem paz
Planta o milho, planta a cana
Batatas, couves, feijão
Três quartas partes de tudo
Pertencem ao seu patrão
Quando a semente germina
E os ramos querem crescer
Vem a seca sem piedade
E o pobre espera chover
Não vem a chuva, porém
Nada existe no paiol
As plantas já se amarelam
Arde a terra, queima o Sol
Quando o pobre vai à mesa
O estômago pede mais
Mas se quer repetições
Que cuide dos mandiocais
Redobra o pobre os serviços
Espalha o pé nos gerais
Ah! que a água já está pouca
Nos rios, nos seringais
Contudo, ele espera sempre
Do Deus que o ama, que o vê
E sempre resignado
O pobre nunca descrê
O certo é que ao fim do tempo
De constante batalhar
Aguarda a minguada espiga
Que decerto há de ficar
Plenamente contentado
Com o pouco do seu suor
Deus lhe dará no outro ano
Uma colheita melhor
Se geme, se sofre dor
Não possui um só real
Pra consultar um doutor
Então, resolve pedir
Ao patrão que sempre o tem
Mas o patrão avarento
Não adianta vintém
Arrasta-se e vai ao médico
E lhe expõe o seu sofrer
Não tem recomendações?
Então não posso atender
O pobre, humilde e paciente
Regressa para o seu lar
E pensa nos outros meios
Da saúde lhe voltar
E põe em prática os meios
As beberagens, o chá
As promessas aos seus santos
Os vinhos de jatobá
Ai! que sorte rude e amarga
Do pobre sempre a sofrer
Se vive para o trabalho
Trabalha para comer
Se a morte vem ao seu ninho
E lhe rouba o filho, os pais
Não lhes pode dar a missa
Que o padre cobra demais
Dá-lhes porém seu tesouro
Sublime estrela que brilha
Da mais rica devoção –
A prece que nasce d'alma
Que fulge no coração
Mesmo assim, quanta tortura
Que amargosa a sua dor!
A todo o instante da vida
Luta o pobre sofredor
Se tem pão não tem saúde
Se tem saúde, não tem
Quem o ampare, quem o ajude
O braço amigo de alguém
Se outrem lhe ofende e ele pede
Da Justiça a punição
A Justiça o encarcera
Com a sua reprovação
Não tem casas de morada
Nem terrenos, nem ovil
Se lhe falta o pão do dia
Falta azeite no candil
Se bate à porta do rico
Mormente dum rico mau
Os cães o tocam da porta
E em vez de pão, ganha pau
O pobre só tem na vida
A doce mão de Jesus
Que o cura na enfermidade
Que na treva lhe dá luz
Mal do pobre se não fora
O carinho dessa mão
Que o conforta na desgraça
E ampara na provação
Mal dele se não houvesse
A vida depois da dor
Após a morte, onde existem
Justiça, ventura, amor